casa da tia, casa da vó

“a mangueira está carregada, flores preenchem o muro. portão fechado. vida crescendo em cada centímetro de piso rachado. piso de mosaico de cerâmica vermelha. a casa da vó hoje está fechada. não pude entrar. será que a goiabeira ainda cresce no fundo do quintal? será que o sofá cama ainda pode virar castelo para alguns dos tantos primos? queria suco de manga. bolacha recheada de goiabada. da rua itaguai 99 se sobe pra rua itaocara 153. não posso subir sozinho. mas mãe onde estão joão e pedro? preciso estar junto de joão e pedro. preciso ser aceito pelos adolescentes mais velhos, mostrar meu valor para aqueles que admiro. saga sem fim. só era aceito na frente dos adultos. entre nós era o fantoche. doía muito. mas melhor a dor da sacanagem do que da solidão. vó chegando na casa da tia lili ligo pra você avisando que cheguei. hoje sei subir sozinho. minha tia me recebe com seus cabelos brilhantes e sorriso radiante. contagiante é pouco. melhor companhia que alguém pode imaginar. um banho de juventude e sabedoria. “tito, não consigo conceber que já faz tanto tempo, sabe?” ela, que muito já viveu, ainda se surpreende com o passar do tempo. não acho ser ingenuidade, bem pelo contrário. parece-me que sua existência não faz tanto caso com a matéria deste plano: ela flutua neste fluxo de espaço tempo. onde pra gente é duro como pedra ela nem precisa pensar em ser água. não encara obstáculos, apenas percorre os caminhos. a casa de tia lili hoje é recheada de fotos da família. não existem lágrimas suficientes para serem derramadas, mas bem deixo várias minhas apenas para assegurar que saudade não tem a ver só com a falta, mas também com a presença. ôh glória! eu que sempre vou, hoje quero só ficar. me aninhar nessa egrégora iniciada e cuidadosamente cultivada por vovó e vovô. as vezes me emociono por aí, e gosto de acreditar que isso acontece quando eles vem me fazer companhia.
hoje caminhei da itaguai à itaocara,
e meu passo foi perdendo ritmo por que não queria chegar.”

 

2022, texto, diagrama.